A ARTE DE CONCEBER, CRIAR, TREINAR e RECRIAR (Por FABIO CAMARA)

Por KARDINAL DA MADALENA ([email protected])

Uma lição de amor ao turfe e ao cavalo em depoimento de FABIO CAMARA, do HARAS PERNAMBUCO, extraído do JORNAL DO TURFE de 05 de Dezembro de 2013:

“A CONCEPÇÃO é o primeiro estágio da arte de se forjar um cavalo de corridas campeão. Aquele que não se dedica a escolher uma cobertura para determinada égua, aposta em uma loteria, tal qual uma mega-sena, em que pode: na maioria das vezes, nada ganhar, criando um animal sem expressão; em poucas ocasiões, tirar uma quadra ou uma quina, equivalendo a um elemento mediano; ou acertar o prêmio maior, ficando rico material ou espiritualmente.

A CRIAÇÃO seria o segundo passo: nada adianta você ser o mais competente na primeira fase, se a segunda não for sólida, não apenas por proporcionar o que há de mais dispendioso no mercado para o seu potro, por exemplo, com excesso de confinamento, mas procure o que de melhor estiver ao seu alcance. E isso inclui carinho, dedicação, cuidado, boa alimentação e suplementação, mas também um toque de rusticidade e extensividade, a fim de prepará-lo para enfrentar as agruras que lhe estiverem porvir.

O TREINAMENTO seria o terceiro estágio. Não basta apenas iniciar e querer tirar o máximo de seu produto o mais cedo possível, mas aprender a conhecer as virtudes e os limites dele a cada dia.

E, para os que enfrentarem maiores dificuldades, a quarta fase é ser agraciado por Deus em encontrar um veterinário tão humano quanto competente e dedicado para ser capaz de RECRIAR aquele ser que foi concebido, criado e treinado adequadamente, mas que enfrentou problemas ao se tornar uma realidade.

Bem, vou agora dar nomes a quem de direito: no início, que chamamos de CONCEPÇÃO, aprendi a identificar o que melhor existe, segundo meus mais de 30 anos de turfe, em um pedigree e com Renato Gameiro a multiplicar tais linhas, sendo responsável pela primeira parte do estado da arte. Contudo, o meu caminho é inverso ao proposto por aquele dileto escriba: primeiro, o que eu posso pagar e segundo o que melhor há, condizente com a minha realidade.

No caso atual, devo muito a um dos maiores amigos que fiz no turfe: Marcos Rizzon. Conheci Rizzon há mais de uma década e aprendi a admirá-lo, como pessoa e como profissional. Sempre receptivo e acessível, com seu estilo próprio, Rizzon é um ser humano com o qual se pode contar em qualquer momento, sobretudo quando se trata de turfe. Conhece tudo e todos. Abre muitas portas da frente e fecha outras do fundo, como tem de ser. Por tudo isso, sempre quis ajudar o Jornal do Turfe, colaborar de alguma forma com um veículo que entendo ser imprescindível para o esporte que tanto amo. Uma das formas escolhidas por mim foi conseguir comprar uma cobertura no Leilão do Jornal do Turfe: a do Implexo (Jet Seller (ARG) e Cats Eyes, por Rio Bravo II), alojado no Paraná. A opção pelo reprodutor se deu pelo imbreeding a 3×4 do produto a ser gerado em Rio Bravo II e Cajazeira, esta que detinha o nick Felício em égua Maki (lembrem-se de Itajara e de African Boy).

Já no segundo estágio, a CRIAÇÃO, pedi ajuda novamente ao Rizzon para que me indicasse um profissional no Paraná para o pensionato de nossa única égua. E em mais uma bênção divina, fui apresentado ao Dr. Duílio Berleze. Sempre muito correto e autêntico, “Seu Duílio” fez questão de demonstrar o seu estilo, em que a qualidade na formação do animal se alia à rusticidade, para dar ao potro aquilo que ele precisa. E isso vem desde os idos tempos do Haras Paraná, em terras idênticas às que foram criados alguns ídolos nossos como Nicolai, milheiro da década de 80, e mais recentemente Undostais. Portanto, incabível se faz qualquer questionamento em sentido contrário ao acerto da indicação e da escolha.

No TREINAMENTO, terceiro momento, observamos a preparação do Carbone na Fazenda Rio Grande como digna de registro, para iniciar o cavalo e identificar nele qualidades. Após a doma e os primeiros trabalhos, foi enviado para o Mário Gosik em São Paulo. Com distinção, tranquilidade (de quem conhece muito o que faz) e trabalho, vimos que se segue uma cartilha determinada para a preparação do animal. Porém demoramos para identificar-lhe os limites e a aprendermos a respeitá-los. Quando chegamos a isso, parecia tarde demais.

A partir daí, chegamos ao quarto estágio da arte, que chamamos de RECRIAÇÃO, enaltecendo a figura do veterinário, Dr. Reinaldo de Campos (Equine Center), no Jockey Club de São Paulo. A amizade com o Dr. Reinaldo é bem anterior ao presente caso: vai ao treinador Rafael Rondelli, na década de 80, seu tio e homem de confiança de meu pai. Atravessou décadas e foi recebida por mim como mais um presente deste último. Dr.Reinaldo foi o responsável por conseguir o cruzamento, em 2002, da minha ótima Independence Now (Dodge e Faja Rio, por Rio Bravo II) com Badalado, animal que me causava excelente impressão em campanha desenvolvida na areia ainda com Rondelli. Nasceu a bela A Honey Winner, nominada em homenagem a nosso primeiro animal, o não menos valente Honey Winner (Fort de France II e Nomage Bay por Mo Bay). Muitas idas e vindas, precisamos desfazer-nos da potranca, sempre com uma enorme frustração por isso.

Em 2006, quando conheci pessoalmente o Dr. Reinaldo, em minha primeira estada em São Paulo, fui a uma apresentação dos animais do Haras FMS e eis que surge a linda A Honey Winner, em um preço que seríamos capazes que pagar. Ao se preparar para estrear, ela fraturou o sesamóideo do posterior esquerdo. Cirurgia, recuperação, campanha curta, vitória, reprodução.

Como disse anteriormente, escolhemos Implexo para padreá-la. Nasceu o Dearest Son, em homenagem ao meu filho, Bernardo. Num início promissor de campanha, em que ele, após bons trabalhos, disparou no cânter na estreia e mesmo assim foi mantido na corrida. Entrou descolocado, como tinha de ser. A partir de então, uma vitória na segunda apresentação, além de mais dois segundos lugares nas seguintes, em que enfrentou contratempos nos percursos, uma notícia que não gostaríamos de ouvir: fraturas nos dois joelhos.

A partir daí, uma única certeza: podíamos confiar no trabalho da equipe formada por Dr. Reinaldo de Campos (responsável pela cirurgia e por todo o acompanhamento na recuperação), pelo treinador Mário Gosik, pelo jóquei Antônio Queiroz e pelo cavalariço Marcão.

Mas não sem antes uma parada para uma grave intercorrência: quando voltou a trotar na Vila Hípica, sempre montado por Queiroz, disparou mais uma vez, causando uma grave lesão no pé de seu piloto, mas escapando ileso o animal, após o grande susto, com apenas algumas escoriações superficiais.

Então, pelo menos quatro profissionais merecem o devido destaque nesta fase de RECRIAÇÃO  – sim, RECRIAÇÃO pois o nosso Dearest Son nasceu de novo algumas vezes, como um verdadeiro “gato de botas”, como era apelidado seu pai à cuja estampa lhe saiu com incrível semelhança: Dr. Reinaldo de Campos, responsável por dar ao animal dois joelhos novos. Passei a acreditar que não apenas Deus faz, mas também o homem é capaz de praticamente constituir um ser inteiramente novo ou reconstituí-lo, mas, para tanto, o Pai tem de abençoar este profissional com um dom especial (e a nós por termos acesso à sua amizade). Antônio Queiroz, que, em nome de nossa amizade, fazia questão de até passear o animal montado na Vila Hípica para ajudar na sua recuperação. E isso quase nos custou a vida do piloto ou a sua integridade física. Meu Deus, que agonia… Jóquei que dispensa comentários pela retidão de caráter, pela humildade, pela dedicação e pelo rigor. Como se diz no Nordeste, exerce sua profissão sabendo que dali depende o prato de feijão dele e de sua família, por isso não pode desperdiçar as oportunidades que a vida lhe proporciona. A ele confidenciei pessoalmente no sábado, 09/11, que o meu Derby seria corrido naquele dia (referindo-me às corridas do Dearest Son, no sábado, e do Tríplice Coroado Fixador, no domingo). Mário Gosik, que com suas competência, paciência, dedicação e até um certo grau de prudência, aprendeu a identificar os limites do que tinha nas mãos. Extensivo os elogios e os agradecimentos aos seus filhos. O cavalariço Marcão, chamado assim por mim porque foi desta forma que o conheci desde o primeiro momento. Muito trabalho e respeito mútuos, para quem estaria no dia-a-dia com o nosso campeão.

No epílogo, uma recuperação de longos 11 meses. 43 quilos de músculos a mais e uma apresentação épica. Uma oportunidade de estar presente no momento de uma volta crível antes apenas por quem sabia de tudo pelo que se tinha passado para estar ali.

Para finalizar, obrigado, meu bom Deus, por estar cercado de tantos amigos e por ter sido agraciado de tal forma no dia 09 de novembro de 2013 em São Paulo. A alegria desses momentos inesquecíveis compartilho e dedico a todos que foram referidos acima e ainda aos que sempre sonharam junto conosco: à minha referência, meu pai, Bartolomeu Câmara; ao meu sócio e amigo de infância, Guga; à minha esposa, Ilana, pela paciência, amor e companheirismo; a meus queridos filhos, Bernardo e Henrique, razão de tudo; e aos meus amigos do Recife e de Fortaleza, que sempre estiveram juntos na torcida.

Que Deus nos dê forças para seguirmos juntos, trabalhando com o mesmo afinco.

Tanks for dearest friends of Dearest Son.

P.S.: Dia 30/11, nova vitória por vários corpos e a um segundo do recorde, sem ser exigido a fundo. Todos agora sabem que ele não precisa provar mais nada a ninguém. E, se não for pedir muito, meu bom Deus, que o mantenha são e que nos dê mais algumas oportunidades de ter a felicidade de vê-lo correr. Depois, que possamos dar-lhe o merecido descanso e que o Senhor nos ajude, a fim de podermos criar seus filhos.”

“JOCKEY CLUB DE PERNAMBUCO: A EMOÇÃO CORRE AQUI”

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0 Comments

  1. Muito bom Fabio. Por isso o Turfe permanecerá sempre vivo. Sua sensibilidade e paixão ao nosso esporte dá força a todos.
    Abraço
    Luiz Roberto

    • Muito obrigado pelo apoio permanente e irrestrito, Dr. Luiz. Seus sentimentos pelo turfe são idênticos aos meus: o prazer do ESPORTE e o amor pelos CAVALOS é o que nos move!

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